Os 3 primeiros episódios "Os outros 2" mostram a grandiosa oportunidade que os criadores perderam
Imagem promocional da segunda temporada dos outros.
Em 31 de maio de 2023, estreou o primeiro episódio de Os Outros, série de Lucas Paraízo que foi uma grata surpresa. A história, que começou por causa de uma briga de futebol entre os filhos de dois vizinhos, foi escalando até tomar proporções avassaladoras. Com um elenco fantástico, direção de arte belíssima, trilha sonora que conseguiu tudo ainda mais tenso e um roteiro pra lá de inteligente, com sacadas que representaram bem a intolerância crescente no mundo contemporâneo.
No entanto, essa colocação parece ter se perdido no final da temporada. Até o sétimo episódio, a tensão entre os dois vizinhos foi desenvolvida com maestria. Mas, com o fim de um desses personagens, a série parece mudar um pouco o barco da localização inicial. Se antes a história girava em torno de vingança e das dificuldades de convivência em um condomínio de luxo, ela passou a focar em um vilão: o miliciano Sérgio (Eduardo Sterblitch). Ele se torna o responsável pela tensão nos últimos episódios ao ter que lidar com sua filha, agora amante de um dos adolescentes, Marcinho (Antonio Haddad) o filho de Cibele (Adriana Esteves). Ela, por sua vez, não gosta de nada da situação devido a um passado traumático com o miliciano.
Mesmo com essa mudança de rumo, a qualidade técnica da primeira temporada é inegável. Grandes nomes da atuação, somados a um trabalho técnico impecável, limpo que a série não estava para brincadeiras. Apesar de pequenos deslizes no roteiro, o resultado final foi um sucesso e rendeu uma renovação quase imediata para uma segunda temporada.
Nos três primeiros episódios lançados na última semana, em 15 de agosto, a trama dos personagens foi continuada e interligada com novos personagens. Entre as edições ao elenco, temos Letícia Colin, Sérgio Guizé e Mariana Nunes, todos muito interessantes, numa apresentação diferente da temporada anterior, onde questões de religiosidade e política ganham destaque.
Diferentemente da primeira temporada, essa leva de episódios não se sustenta apenas pela qualidade técnica e boas atuações. Adriana Esteves, protagonista da temporada passada, passa os três primeiros episódios sem barco, apenas buscando o filho, que parece não dar o mínimo para a mãe. Sérgio, o vilão da temporada passada, retorna agora como vereador eleito, mesmo tendo sequestrado uma mulher e colocado uma arma na cabeça dela na frente da polícia menos de um ano atrás. Fica a dúvida de como ele se salvou disso e ainda conseguiu se mudar para um novo condomínio de luxo, se candidatar e vencer uma carga política em tão pouco tempo.
Vale destacar que é comum termos personagens adolescentes que cometem erros que chegam a dar dor de cabeça de tão estúpidos. Mas, nesses primeiros episódios, o Marcinho se supera — ele não acerta uma. Você pode até tentar simpatizar com o personagem, mas será um esforço sem recompensa, pois ele se supera nas decisões sem fundamento. Para dar um exemplo, ele quer fugir com seu filho, mas não tem casa, dinheiro, trabalho, nem concluiu os estudos. Quase foi preso por não pagar o aluguel de uma micro kitnet caindo aos pedaços e vendeu sua única fonte de renda, sua bicicleta, por algumas trocas para fugir com a criança.
A qualidade técnica permanece: a fotografia é linda e os olhos começam a brilhar. Mas nada disso funciona em sua plenitude se a história não convence. A série perdeu uma excelente oportunidade de adotar um formato de antologia, mantendo alguns atores, mas em diferentes personagens — um recurso já usado com sucesso por várias séries. Isso certamente aumentaria a qualidade. É claro que a temporada está apenas começando e ainda vale a pena ser assistida, já que você ignora as diversas inconsistências e conveniências do roteiro mas é nítido o abismo de qualidade entre o seu início e o que ela se tornou.
A segunda temporada já está disponível no Globoplay.